Alberto Meneghetti – CMO da Neodigital
Já é lugar comum afirmar que a pandemia acelerou tendências pré-existentes. O mundo corporativo, os segmentos de varejo, de serviços e o próprio agronegócio já se digitalizavam, a passos rápidos, atentos à mudança dos hábitos de consumo, que é o que mais importa, na verdade, para todos os grandes players destes segmentos.
Uma pesquisa recente da plataforma de inteligência agência NZN mostrou que 49% dos brasileiros passaram a reconsiderar a maneira como fazem seus gastos depois da chegada da Covid-19. Desses, 71% afirmam que pretendem aumentar o volume de compras online.
E como sou um quase nerd e inveterado early-adopter, estou, impacientemente, aguardando a chegada premente da rapidíssima tecnologia 5G, que impactará (para melhor) tudo ao nosso redor e que importa muito porque viabilizará as tecnologias-chave do futuro. Estamos falando na Internet das Coisas (IoT), as cidades inteligentes, a realidade virtual, a agricultura 4.0, os veículos autônomos e, sobretudo, a Inteligência Artificial. Esta, inclusive, está tirando o sono de muita gente, no sentido da substituição emergente da força de trabalho em vários setores.
Como publicitário e amante da tecnologia, fico muito curioso se a nossa capacidade criativa será potencializada ou algoritmos substituirão os nossos criativos na elaboração de campanhas fora de série que acompanho, com muito prazer, cada vez que participo do Cannes Lions, representando a revista Advertising.
Pois bem, na penúltima edição deste que é o maior festival de criatividade do mundo, este tema estava muito presente, com discussões fortes em vários painéis e entre os maiores criativos do mundo. E, naquele cenário incrível da Riviera Francesa, com aquele marzão todo, entre goles de vinho rosé, o papo dos criativos era a previsão do futuro da comunicação com a Inteligência Artificial bombando também na publicidade.
Lá mesmo, conversei com o cara que melhor representa a atual publicidade brasileira, o criativo Hugo Rodrigues, Chairman & CEO da W/McCann, e ele me disse que este assunto o estava intrigando muito, naquela edição do Festival, já que alguns cases tinham uma forte carga de I.A. na sua concepção.
Pesquisando sobre este assunto, descobri que foi a agência M&C Saatchi London que fez a primeira campanha publicitária 100% com uso da inteligência artificial, para seu cliente café Bahio. Foram displays urbanos, numa ação OOH (Out Of Home), que mudavam de acordo com a reação do espectador.
Para a campanha, a agência usou um algoritmo que testava diferentes execuções com base na força de cada elemento do anúncio, como texto, layout, fonte e imagem. Através de uma câmera nos posters, a agência avaliava o engajamento em tempo real, verificando se as pessoas ficaram felizes, tristes ou não mudaram sua expressão ao visualizar as peças. David Cox, chief innovation officer da M&C Saatchi, afirmou, na época: “é a 1ª vez que uma peça publicitária é livre para criar a si mesmo, baseado no que funciona, e não no que uma pessoa acha que funciona. Não estamos sugerindo um papel menor para a criação, mas sabemos que a tecnologia vai desempenhar um papel maior no que fazemos”.
Há algumas semanas atrás, voltei a tocar neste assunto com Hugo, numa entrevista exclusiva para este artigo, na edição que marca os 23 anos da heróica e sempre essencial revista Advertising (parabéns, mestre Júlio Ribeiro!).
Hugo, quando conversamos no Cannes Lions 2018, afirmastes que a AI (Inteligência Artificial) está evoluindo tão rapidamente na publicidade que, talvez isto significasse um possível menor protagonismo “humano” na nossa profissão. Como vês isto agora, tendo se passado quase 2 anos?
A inteligência artificial veio para ficar e ainda vai se expandir muito. É uma tecnologia riquíssima, com possibilidades que ainda não exploramos no universo da comunicação. Por enquanto, os usos no Brasil são tímidos perto de seu potencial e basicamente focados em automatizar tarefas repetitivas e de grande escala. Com a democratização dessa tecnologia, portas interessantes se abrirão para criarmos relações ainda mais relevantes e personalizadas. Mas acredito que inteligência artificial, dados e todas as tecnologias que estão ao nosso favor se somam e potencializam a criatividade. O poder da criatividade humana, intuição e emoção continua sendo insubstituível.
Será possível, a teu ver, alimentar o sistema de AI com um grande volume de campanhas premiadas em Cannes e deixar que a própria máquina detecte um padrão ali (com ajuda do deep learning e machine learning), ajudando criativos na sua tarefa de inovar, criativamente?
Acredito que uma campanha não se faz olhando o passado, mas entendendo os objetivos do cliente, o ambiente cultural e uma compreensão profunda do consumidor. Sem dúvida, AI pode auxiliar em todas essas pontas, inclusive trazendo histórico de campanhas premiadas. No entanto, ainda estamos num movimento muito incipiente, em que os algoritmos precisam evoluir para trazer respostas definitivas. Hoje, estamos numa fase em que a máquina trabalha uma produção inviável para o ser humano (criativos dinâmicos), com um sistema de test&learn sobre KPI´s intermediários a venda. Mesmo com os modelos econométricos e algoritmos, precisamos avançar em frentes como o impacto de médio prazo dos índices de awareness e consideração nas vendas. Ou seja, ainda vai demorar um pouquinho.
Mudando de assunto, pergunto se em tempos do LGPD, a publicidade baseada em dados, que sempre foi sustentada pela ideia de uma internet em que o acesso a informações dos usuários é liberado, para poder gerar personalização e relevância para os usuários, está com seus dias contados?
Acredito que a crise de confiança vai se acirrar e o mercado de comunicação terá o desafio de usar esses dados de forma inteligente, pouco invasiva e com responsabilidade. Nem todas as empresas entenderam ainda a dimensão dessa nova realidade, mas muitas já vêm se preparando e, com certeza, sairão na frente no marketing preditivo e personalizado.
PS: Artigo publicado na Revista Advertising - Agosto 2020
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